De Sonya Huang e Doug Leone
Há pouco mais de uma década, um jovem estudante brilhante de MBA em Stanford entrou nos escritórios da Sequoia em Sand Hill Road e expressou com entusiasmo a oportunidade para startups na América Latina. O aluno era David Vélez. Ficamos imediatamente impressionados com a presença, ambição e inteligência de David e o contratamos para traçar um caminho para a Sequoia na América Latina.
Tendo crescido na Colômbia, David compreendeu visceralmente a oportunidade na América Latina: embora a economia real estivesse repleta de problemas, a economia digital tinha um enorme potencial, apoiada por algumas das maiores taxas de penetração de Internet e engajamento nas mídias sociais globalmente. No entanto, quando David investigou e conheceu dezenas de startups na região, ele gradualmente chegou a uma conclusão desconfortável: apesar da oportunidade de mercado atraente, o ecossistema de startups era desanimador. A maioria dos fundadores não pensava grande. Eles importavam ideias “X para a América Latina” dos EUA, sem resolver problemas locais reais. Não havia talento técnico suficiente para apoiar a criação de grandes empresas. E não havia histórias de sucesso suficientes para estimular fundadores e engenheiros.
Apesar do nosso desejo de iniciar negócios na América Latina, concordamos coletivamente em dar um passo para trás. No entanto, sabíamos como David era especial e estávamos determinados a trabalhar com ele. Logo, David decidiu aproveitar a oportunidade tornando-se um fundador. Ele tinha uma ideia grande e ousada (e louca!) de enfrentar os bancos no Brasil. Lideramos em conjunto um modelo de financiamento “capital semente” para o Nubank em 2013, juntamente com o investidor local Kaszek Ventures.
Oito anos depois, o Nubank é o neobanco (challenger bank) mais valioso do mundo, com 40 milhões de clientes. E hoje, o ecossistema de startups na América Latina está florescendo. Os fundadores são incentivados a pensar grande pela ascensão meteórica de empresas como Nubank e Rappi. Os engenheiros estão deixando seus empregos seguros em bancos e varejistas para aproveitar a oportunidade nas startups. Não há reação contrária às “grandes empresas de tecnologia” na América Latina; há uma positividade e otimismo sobre o potencial da tecnologia de mudar vidas.
Olhando para trás, a tese que David Vélez desenvolveu para a Sequoia há uma década era perfeita, mas era muito cedo. Agora, a oportunidade chegou. Nossa missão na Sequoia é ajudar os ousados a criar empresas lendárias. Agora, mais do que nunca, vemos essa oportunidade na América Latina.
Nubank: David e Golias da América Latina
David Vélez gosta de desafios. Quando tentou convencer a Sequoia a fazer um investimento inicial em 2013, ele admite que “a probabilidade de não ter sucesso era muito alta”. Os slides da apresentação eram tão especulativos que, como Doug Leone lembra, “não havia nenhuma apresentação. Investimos 80% com base nele e 20% com base em nossa compreensão superficial da oportunidade de mercado.”
A oportunidade de mercado acabou sendo bem profunda. E David ainda se lembra muito claramente de uma coisa naquela apresentação. “Há um slide de David contra Golias, que era o que queríamos fazer: queremos ir contra os maiores bancos como uma pequena startup.” Apesar de compartilhar o nome com o assassino de um gigante, ele diz: “Essa história para qualquer investidor latino-americano era inútil. Você simplesmente não tenta lutar contra o cara grandão.”
David tinha a vantagem de ter passado algum tempo no Vale do Silício, onde as histórias de David e Golias são a regra, não a exceção, e onde investidores como a Sequoia abraçam esse tipo de tomada de riscos por causa da escala de oportunidades. David era o forasteiro perfeito para perturbar os bancos brasileiros. Talvez porque ele não fosse brasileiro, nunca tivesse trabalhado para um banco de varejo e não soubesse como o setor de cartões de crédito funcionava. Ele não estava satisfeito com as explicações dos céticos sobre por que desafiar os grandes bancos era impossível. “Quando eu pressionava, eles tendiam a ter argumentos muito rasos”, diz ele. O primeiro sinal de luz apareceu quando ele visitou um regulador no Banco Central do Brasil em Brasília e ficou surpreso ao descobrir que eles recebiam bem mais startups e concorrência no setor bancário.
O Nubank montou um escritórioem uma pequena casa sem descrição em um dos bairros menos elegantes de São Paulo, onde trinta pessoas se sentaram lado a lado para lançar o primeiro produto de cartão de crédito. “Dizemos que o primeiro escritório foi o melhor filtro de entrevista que poderíamos ter desejado”, diz David, “porque o tipo certo de pessoas se autoselecionou para querer participar dessa experiência.” Os candidatos com mentalidade mais tradicional usando ternos e gravatas deram uma olhada na casa e nem mesmo tocaram a campainha.
Talvez a primeira iniciativa mais controversa tenha sido escolher o nome da própria empresa. Doug disse a David que o nome original, EOS, era “um nome muito nerd, você precisa de um nome mais amigável para o consumidor”. Essa cutucada levou a equipe a articular o quanto sua cultura seria diferente de um banco tradicional. Eles gostaram de Nubank porque “nu” em português significa “desnudo”, como em “olho nu”, mãos vazias ou uma página em branco. “Foi um pouco chocante”, admite David, “mas refletiu muito bem alguns dos valores de transparência e simplicidade, de nenhuma agência, de nenhuma camada, o que você vê é o que você tem, o que seria um dos fatores diferenciadores da empresa.” E virar “nu” de cabeça para baixo revela outro segredo, “un”, o antibanco.
Para garantir que os consumidores recebessem a mensagem imediatamente de que o Nubank era diferente, eles escolheram propositadamente a cor mais chocante que um banco jamais usaria: o roxo vivo. Esse cartão roxo vivo está na mão de 40 milhões de brasileiros.
A economia das startups: ontem x hoje
A história de David Vélez é simplesmente extraordinária. Mas ele não é o único fundador que encontrou sucesso na América Latina. A Rappi, empresa parceira do portfólio da Sequoia, construiu um super negócio formidável de entrega de aplicativo que agora alcança 10 milhões de consumidores. A QuintoAndar, empresa imobiliária brasileira, mudou a experiência de alugar e comprar uma casa. A Kavak do México permitiu que dezenas de milhares de famílias pudessem comprar um carro. O Wildlife Studios, estúdio brasileiro de jogos móveis, encontrou sucesso global. E por trás desses sucessos de startups em estágios posteriores está mais uma geração de startups jovens em estágios iniciais.
Fomos surpreendidos pela qualidade dos fundadores da onda atual. Eles nos surpreenderam ao terem ambição em grande escala, pensamento estratégico, uma forte aderência em relação às métricas, excelência operacional, energia contagiante e paixão pelo que estão construindo. Estimulados pelo sucesso de empresas como Nubank e Rappi, esses fundadores estão pensando grande, sem medo de tentar o impossível. E, depois de ter visto os manuais para o sucesso de startups, eles estão contratando e executando sem medo para transformar seus sonhos em realidade.
As empresas também são muito mais interessantes do que há uma década. Estamos encontrando muito menos apresentações sem graça de ideias “X para a América Latina”; em vez disso, estamos vendo fundadores que entendem profundamente dos problemas do mercado local e os solucionam sob a forma do mercado local. Eles sabem como resolver os problemas em sua raiz de origem como, por exemplo, a falta de acesso a crédito e infraestrutura de entrega, de maneiras criativas.
A economia de startups inspirou não apenas os fundadores, mas os engenheiros. Os grandes bancos do Brasil empregam, cada um, dezenas de milhares de engenheiros. O mesmo vale para outros setores da economia. Descobrimos que os engenheiros estão sendo atraídos cada vez mais para startups e deixando seus trabalhos burocráticos seguros para buscar oportunidades muito mais interessantes.
A oportunidade adiante
A América Latina é uma das maiores economias do mundo, com 600 milhões de pessoas e US$ 6 trilhões de PIB. Para colocar o tamanho absoluto da economia da América Latina em contexto, a população é duas vezes maior do que a dos EUA, e o PIB é 40% do PIB da China e o dobro do PIB da Índia.
Mas a economia real da América Latina, como bancos, hospitais, infraestrutura, não está cumprindo seu objetivo. A infraestrutura fica atrás das economias em desenvolvimento (a qualidade das estradas/infraestrutura é menor do que a da China ou da Índia, de acordo com a OCDE). O sistema de saúde pública está tão sobrecarregado que o seguro de saúde privado está entre os “três principais” itens da lista de desejos do consumidor. Os bancos brasileiros desfrutam de alguns dos maiores faturamentos do mundo. A penetração do comércio eletrônico é de apenas 6% devido à falta de inovação na infraestrutura de entrega e à falta de acesso a pagamentos on-line.
Isso prepara o terreno para a tecnologia entrar na economia real e oferecer experiências essencialmente melhores aos consumidores. O Nubank não apenas sobreviveu a três recessões desde o início, como também floresceu e ajudou 40 milhões de consumidores a economizar US$ 5 bilhões em taxas bancárias. Como David destaca, isso representa US$ 5 bilhões potencialmente investidos em novos serviços.
Na verdade, a América Latina é o cenário ideal para a economia da Internet afetar a economia real. A América Latina é o lar de uma população relativamente jovem que é nativa da Internet e de dispositivos móveis (a penetração de 70% da internet ultrapassa a China/Índia com penetração de 59%/50%, e a penetração de 67% da Internet móvel ultrapassa a penetração de 56%/50% de China/Índia). Os países latino-americanos têm algumas das maiores taxas de envolvimento com a Internet do mundo, com média > 9 horas por dia de uso da Internet (próximo das 6,5 horas nos EUA e no resto do mundo). Em particular, o Brasil é um grande consumidor de Internet para aplicativos de mensagens globais (o Brasil é o segundo mercado do aplicativo WhatsApp, depois da Índia) e uso de mídias sociais (o Brasil tem a quinta maior população de usuários de mídias sociais em todo o mundo e a maior fora dos EUA e Ásia). Além disso, a América Latina é o lar de uma classe média em ascensão que agora compra serviços de saúde e educação, carros e casas, serviços de entrega e comércio eletrônico.
Olhando para o futuro, vemos oportunidades em todos os setores da economia.
1. Nos serviços financeiros: estamos vendo as tendências globais dos consumidores: neobancos (challenger banks); insuretechs; métodos de pagamento buy-now-pay-later; negociação de ações; pagamentos; e criptomoedas. Também estamos vendo necessidades e inovações específicas da América Latina: financiamento de motocicletas para a economia sob demanda; crédito incorporado; carteiras móveis.
2. Na Internet do consumidor: estamos vendo oportunidades atraentes tomarem forma em todas as categorias de consumidores (mercearia, alimentos, conveniência, compras, entrega, imóveis, jogos) e acreditamos que o comércio eletrônico florescerá de uma maneira distinta fora dos EUA, com modelos de negócios mais semelhantes aos da China.
3. Na área da saúde: acreditamos que tanto a cobertura de cuidados (seguro) quanto a execução (telemedicina) serão remodeladas pela tecnologia.
4. E na educação: acreditamos que a oportunidade é enorme para a tecnologia complementar e completar o sistema educacional atual da América Latina.
Mas as ideias mais interessantes são muitas vezes inesperadas e estamos sempre ansiosos para ouvir.
Qual é o próximo passo?
Tendo crescido no Vale do Silício em uma família de empreendedores e engenheiros, testemunhei pessoalmente a magia que acontece quando o entusiasmo de startups toma conta de uma comunidade de pessoas inteligentes, ambiciosas e famintas, e o sucesso começa a tomar forma. Hoje, há algo semelhante no ar na América Latina. A oportunidade de mercado está presente, e o ecossistema está pronto e estimulado.
Ainda não vamos abrir um escritório na América Latina, mas planejamos visitar a região todos os meses ou a cada dois meses para conhecer empreendedores. Quando estivermos lá, planejamos organizar eventos que reúnam a comunidade de startups.
Não planejamos fazer muitos investimentos. O modelo da Sequoia é investir em um pequeno número de empresas ousadas que sonham alto, para que possamos colocar todo o nosso peso por trás das empresas das quais participamos. Mas, embora não estejamos correndo para fazer investimentos, olhamos para a oportunidade na América Latina com entusiasmo e otimismo renovado, do investimento inicial à oferta pública inicial e além.
Nós da Sequoia tivemos o privilégio de apoiar o ecossistema do Vale do Silício em seus primeiros dias. Nós agora vemos essa oportunidade na América Latina e estamos ansiosos para fazer nossa parte para nutrir uma região que está começando a despertar.
Se você for um fundador e quer marcar uma reunião, envie um e-mail para latam@sequoiacap.com (Stephanie Zhan e Sonya Huang).
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Obrigado a David Vélez, do Nubank, Simon Borrero e Sebastian Mejia, da Rappi, e a Fernando Spnola, da Base Partners, pela ajuda com este artigo. Também somos gratos por nossas relações de longo prazo com fundos no local, incluindo os parceiros de base, Kaszek, Monashees, Quona Capital e Latitud, e esperamos colaborar com esses fundos e outros. Por fim, somos gratos aos muitos fundadores que dedicaram algum tempo para compartilhar suas percepções sobre o ecossistema conosco e estamos entusiasmados com possíveis parcerias nos próximos anos.